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Perda e consciência...

Por: | 23:47 2 comentários
Eu e meu tio Neli em minha formatura

Resolvi escrever esse post depois de refletir sobre o assunto enquanto voltava hoje de ônibus para casa. Sábado, estava na minha avó materna quando uma de minhas tias ligou e avisou que meu tio, o Neli, havia sido atropelado. No momento foi um susto muito grande, a primeira coisa que ela disse é que ele já estava bem, mas não havia como não ficar apreensivo. Aos poucos os detalhes do acontecido iam sendo esclarecidos.

Meu tio trabalha no Gaúcho Diesel e como sempre, ia para o trabalho de bicicleta. Eram 6 e pouca da manhã quando ele descia uma rua. Ele estava na preferencial, no entanto, o dono de um Gol branco achou que não havia tempo para esperar e seguiu reto. Resultado: meu tio foi arremassado alguns metros a frente na calçada, machucou as mãos, os braços, o rosto. A bicicleta ficou presa embaixo do carro, o motorista seguiu em frente arrastando a mesma. Para se livrar dela, deu ré e passou por cima da bicicleta, pouco, ou melhor, nada sobrou dela.

No título desse post, duas palavras, perda e consciência. Vou falar primeiro desta última. Como escrevi em meu twitter mais cedo, fiquei horrorizado com o fato do motorista ter atropelado meu tio e nem prestado socorro. Questionei como alguém podia fazer o mal alguém e ainda se recusar a ajudar. Questionei como uma pessoa dessas poderia continuar a fazer as coisas mais banais sem ter na consciência o peso de talvez ter matado alguém. Será que ele olhou o jornal nesta segunda para saber se não havia um óbito por atropelamento? Será que só por não ter acabado em óbito sua consciência se aquietou? Jamais saberei. Mas acho terrível a pessoa negar socorro seja a quem for.

Graças ao bom Deus, o acidente aconteceu próximo a uma padaria e o dono da mesma ouviu o estouro e foi estar junto a meu tio. Ajudou-o e chamou um dos chefes dele no Gaúcho para levá-lo no médico. Infelizmente ninguém viu nada, nem conseguiu anotar a placa. Sabe-se lá, se amanhã este inconseqüente não estará correndo pelas ruas fazendo mais vítimas.

A segunda palavra do título: perda. Embora não tenha perdido meu tio (Graças a Deus!), a possibilidade que o atropelamento trouxe foi suficiente para trazer um gosto amargo para a boca, um retorcer da alma, pensamentos ruins constantes. Fiquei pensando "e se tivesse acontecido"? Como eu reagiria? Logo busquei a última vez que havia conversado com meu tio e a memória não parecia muito clara, temi... e se o pior tivesse acontecido, talvez não tivesse uma última recordação para guardar... Havia brigado com o meu outro tio dias antes e logo corri para desfazer as mágoas e reatar os laços... e se acontecesse com ele, nossa última troca de palavras teria sido de uma discussão sem sentido, cheia de palavras duras que se diz para atingir o outro.

Confesso, não sei lidar bem com perdas porque tive a sorte de não ter tido nenhuma até agora. Esse meu questionamento sobre perda, está presente no meu primeiro roteiro cinematográfico, numa fala do curta-metragem "Desafinados". A protagonista Letícia confessa temer o dia que terá de enfrentar a dor de perder alguém. Na boca dela, as minhas palavras: "Eu não sei como vou reagir"... E se tivesse acontecido, não sei como seria... Tenho medo, sei que faz parte da vida, mas como ainda não senti essa dor, temo pelo dia em que a sentirei pela primeira vez. Espero que esse dia demore.

2 comentários:

Heloísa Poll disse...

Perder alguém é a pior coisa que existe. Nosso coração fica negro, assim como o olhar. Já perdi seres que levaram com eles partes de mim. E é muito difícil continuar sem elas. A vida fica mais vazia e já não há mais sentido em tudo.

Letícia Mendes disse...

“A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada. Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério. “

E. Bishop