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Do fim do mundo para casa

Por: | 03:55 1 comentário
... ou Um Mochileiro pela América - Final



Depois de quase 20 dias chega ao final a viagem pela América. Muita coisa aconteceu desde o último relato e quem sentiu falta de drama no passado não vai ter do que reclamar nessa semana. Voltemos ao ponto em que o último texto parou: a ida a El Calafate, Sul da Argentina, o quase fim do mundo.

El Calafate é uma cidade pequena, onde tudo parece recém-construído. Como vive apenas do turismo, tudo é caro na cidade. Contudo, as paisagens compensam o investimento.


TRAUMA TITANIC
Passei menos de quatro dias na cidade, mas foi tempo suficiente para fazer o que queria. Em um dia peguei um barco e naveguei pelo lago Argentino (que tem uma água azul turquesa e é lindo) num passeio chamado Todos os Glaciais. Na verdade, não se vê todos, mas os mais importantes. Pude chegar pertinho do Upsala, do Spegazzini e, por fim, dele, o mais esperado: Perito Moreno.

Além dos glaciais, o que mais eu vi nesse passeio foram icebergs. Algo esperado. Mas meu trauma Titanic veio à tona. O barco ia chegando perto daquele monstros de gelo e eu pensava “vai bater e a gente vai morrer congelado nessa água!”. Foi um sufoco. Não bastava ver, chegar perto. Precisei caminhar sobre o Perito Moreno, ver como ele é “por dentro”. Pelo meu condicionamento físico optei pelo minitrekking, no qual se caminha uma hora e meia. Há também o tour Big Ice, no qual se anda seis horas – mas para quem não anda nem uma hora em Santa Cruz, seis não iam rolar.


Para caminhar sobre o gelo é preciso colocar os grampos, sapatos de ferro com fivelas que são amarradas ao seu calçado. Aí vai uma dica que ninguém que trabalha com esses tours vai te dar: nunca, em hipótese alguma, vá de All-Star. Muito menos use meias curtas. Eu fiz essa combinação e tive de aguentar a fivela arrancando a pele do meu calcanhar enquanto andava. Caminhar sobre o gelo é uma experiência única. As paisagens sobre o glacial são de tirar o fôlego. Vale cada centavo investido.


CONTRATEMPOS
Sonho realizado, hora de voltar para Mi Buenos Aires Querido. Mas depois de tanta felicidade, parecia que a sorte voltava a mudar. Primeiro, o voo em El Calafate atrasou em mais de duas horas. Se a cidade é pequena, você pode imaginar como é o aeroporto. Menor ainda. Depois, descubro que não tenho como ficar um dia a mais em Buenos Aires (havia feito reserva só para uma noite e apenas depois decidi ficar mais). Assim, tive de adiantar minha ida a Montevidéu em um dia. Até aí tudo bem.


Comprei a passagem para Colônia do Sacramento (resolvi conhecer a cidade e dela ir para Montevidéu). A cidade, apesar de tombada como Patrimônio Histórico, não tem nada de tão interessante. Em três horas você conhece tudo e pode ir embora. Eu, não lembrando que tinha de adiantar o relógio, perdi o ônibus e tive de ficar três horas a mais esperando. Mais castigo. Mas nada de ruim se compara ao que me aconteceu na chegada a Montevidéu. Quem viaja tem de saber que vai passar por contratempos. Porém, nem sempre estamos preparados para eles.


Cheguei na capital uruguaia à tardinha, quando o sol já estava quase se pondo. Fui ao albergue ao qual havia enviado um e-mail de reserva, mas não tinha recebido resposta. Chegando lá, descubro que não há vagas. Arrasto minha mala de 20 quilos ruas acima e no outro albergue também não há. E assim foram nos outros e outros. Sem esperanças e cada vez mais assustado com a possibilidade de ficar sem abrigo à noite, numa cidade que não conhecia, parti em busca de um hotel. Mas nem neles eu encontrava vaga. No, no, no. Era só o que eu ouvia.


Cada vez mais desesperado e desolado, vaguei pelas ruas com minha mala de 20 quilos. Mais pesada que ela, só o medo que me apertava o peito. Enfim, achei um hotel que tinha uma vaga e tive de pagar por um quarto de casal. Saiu caro, mas foi a solução. Dica para não passar por isso: sempre reserve com antecedência o lugar onde você vai ficar. Não queira sentir o que senti.


DO GELO À PRAIA
Achei a Ciudad Vieja em Montevidéu linda, mas como todo resto da cidade, muito suja. Em Santiago, no Chile, havia muitos cachorros nas ruas, mas não se via nenhuma sujeira pelas calçadas. Em Montevidéu era o contrário: poucos cães, muita sujeira e mau cheiro.


Depois de dias no gelo em El Calafate pude curtir uma praia em Montevidéu. Além disso fui a Punta del Este, linda e charmosa como podia se esperar que ela fosse.


BAGAGENS
De Montevidéu parti para Rivera, onde fiz umas comprinhas e atravessei a fronteira para enfim voltar para casa. A mala, que foi sobrando espaço, voltou para o Brasil estourando. Porém, voltei com mais de uma bagagem. A material veio cheia com os souvenirs que fui adquirindo ao longo da viagem. Mas havia uma outra, essa imaterial, que voltou tão cheia quanto era possível. Nela, lembranças, histórias, pessoas e lugares disputavam o espaço. Ninguém que faz uma viagem dessas volta igual. São muitas as coisas vivenciadas, muitos os aprendizados, muitas as pessoas que cruzam nosso caminho.


Tive a felicidade de conhecer seres humanos maravilhosos em meu percurso. Não teria como citar todos, mas também nãopoderia deixar de citar alguns. Em Santiago, o que teria sido de mim sem os anjos da guarda Ana, Flávia e Samara que me socorreram quando eu mais precisava. Ou como esquecer de Martin, um músico que conheci na noite que fui a uma casa de tango na Argentina. Apesar de ter conversado muito pouco com ele, foi a minha presença em um momento especial para ele que me tocou. O rapaz assistia naquela noite, pela primeira vez, à noiva Veronica, que dançava na companhia. É impossível esquecer o olhar dele ao me cutucar e apontar: “É ela”. Poder testemunhar momentos únicos na vida de outras pessoas não tem preço.


VOLTAR...
Viajar é maravilhoso, mas tão bom quanto é poder voltar. Reencontrar suas coisas, seus amigos, sua família. A saudade torna tudo melhor. Enquanto você lê esse relato estou curtindo tudo isso. Quero agradecer quem acompanhou os relatos e torceu por mim. Muito obrigado. Quem sabe, até a próxima!

Relato publicado no Caderno Q? do Jornal Gazeta do Sul do dia 10 de fevereiro de 2010

1 comentários:

Emilin Grings disse...

Ontem no fim não pude te cumprimentar. Parabéns pela conquista de trabalhar na Zero, viu?
Tu mereces.

Beijo